Com o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) cercado
por policiais militares e federais, atiradores de elite no topo do prédio e
helicópteros vigiando o espaço aéreo, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva
(PT) teve mantida sua condenação por corrupção e lavagem de dinheiro no mais
emblemático processo da Lava-Jato. A decisão desta quarta-feira (24), por três
votos a zero, além de colocar em risco a candidatura presidencial do petista e
deixá-lo à mercê de uma ordem de prisão, aumentou a pena estipulada pelo juiz
Sergio Moro – de nove anos e seis meses – para 12 anos e um mês de cadeia, em
regime fechado.
Como tanto o veredito quanto a pena foram unânimes, Lula
pode ter decretada sua prisão tão logo sejam julgados os embargos de
declaração, recurso utilizado pela defesa para buscar esclarecimentos sobre a
decisão do tribunal e que, no TRF4, leva de um a dois meses em média para ser
apreciado. O ex-presidente também foi condenado a pagar uma multa de R$ 1,33
milhão.
Enquanto Lula acompanhava a sessão no Sindicato dos
Metalúrgicos em São Bernardo do Campo (SP), seu berço sindical e político, os
magistrados esquadrinhavam em linguagem jurídica o esquema criminoso que
desviou recursos da Petrobras em troca de um triplex no Guarujá (SP) para o
ex-presidente. Para os desembargadores João Pedro Gebran Neto, Leandro Paulsen
e Victor Luiz dos Santos Laus, o ex-presidente beneficiou a construtora OAS em
troca da aquisição e reforma do imóvel em frente ao mar do litoral paulista.
Após mais de oito horas de sessão, restou inútil a fala do
advogado de Lula, Cristiano Zanin Martins. Na sustentação oral em que pediu a
anulação do processo e, em última análise, a absolvição de seu cliente, Zanin
atacou Sergio Moro e disse que não havia uma única prova contra o
ex-presidente.
— O que se tem aqui é um processo nulo, que gerou uma
sentença nula. Não foi feita a prova da culpa. Foi feita a prova de inocência.
Não houve vantagens indevidas. O triplex não é de Lula. O triplex sempre
pertenceu à OAS — afirmou.
No primeiro julgamento da Lava-Jato transmitido ao vivo pela
internet – e acompanhado no TRF4 por 43 correspondentes estrangeiros e 250
jornalistas brasileiros –, Gebran, Paulsen e Laus concordaram com os argumentos
do Ministério Público Federal, segundo o qual Lula aceitou fazer nomeações
políticas para cargos estratégicos na Petrobras. Em troca, os diretores da
estatal fraudavam contratos com empreiteiras, obtendo propina para
enriquecimento ilícito de agentes públicos e financiamento de campanhas
eleitorais.
Citando depoimentos e provas coletadas durante a
investigação, o procurador regional da República, Mauricio Gerum, apontou Lula
como o chefe do aparato criminoso, com conhecimento e efetiva participação nos
desvios de recursos.
— Um presidente da República que nomeia diretores de estatal
em esquema com empreiteiras e engendra o maior esquema de corrupção da história
do Brasil. Lamentavelmente, Lula se corrompeu — resumiu.
Os votos
Em um voto de 430 páginas e mais de três horas, dizendo-se
incumbido de uma tarefa “sensível e dramática” de julgar um ex-presidente, o
relator do processo, Gebran Neto, concordou com a sentença original de Moro –
na qual o juiz afirmou que o triplex fazia parte de uma propina total no valor
de R$ 16 milhões destinada ao PT. Com o imóvel, Lula teria recebido R$ 2,2
milhões.
No voto, o magistrado lembrou a visita do ex-presidente e da
mulher, Marisa Letícia, ao apartamento, enquanto as obras estavam sendo concluídas.
— Tenho juízo probatório acima do razoável de que o triplex
foi reservado a Lula. E assim permaneceu após a OAS assumir o empreendimento.
Tenho que a reforma e a compra da cozinha foram feitas para o ex-presidente e
com base em projeto aprovado por ele e pela ex-esposa.
O magistrado citou ainda inúmeros depoimentos de delatores e
réus já condenados para definir a participação do ex-presidente no esquema
criminoso gestado na Petrobras.
— As provas indicam que, no mínimo, ele tinha ciência e dava
suporte — afirmou, antes de votar pelo aumento da pena para 12 anos e um mês de
prisão em regime fechado.
Durante toda a sessão, numa mensagem velada às insinuações
de aliados e simpatizantes de Lula sobre um eventual julgamento político e
direcionado do ex-presidente, os desembargadores fizeram questão de salientar a
independência do TRF4 e da Justiça Federal de Curitiba.
— Tudo o que se faz necessário para assegurar um julgamento
legítimo e justo foi feito, pela 13ª Vara e por esta Corte. Ela (a questão) é
complexa, mas complexos são os fatos. O julgamento se deu de modo técnico e
devidamente fundamentado. Aqui ninguém pode ser condenado por ter costas largas
ou absolvido por ter costas quentes — rebateu o revisor, Leandro Paulsen.
Ao discorrer sobre o mérito do processo, o desembargador
citou o mensalão para exemplificar como as engrenagens da corrupção se mantêm
ativas no país, dando forma à perpetuação de projetos políticos pessoais.
Desfiou os nomes de condenados naquele processo e na Lava-Jato, alguns deles
repetidos em ambos os casos.
— A estrutura e o modus operandi dessa atividade criminosa
continuam operantes —garantiu, para em seguida comentar a conduta de Lula e
também votar por 12 anos e um mês de prisão:
— Há elementos de sobra para mostrar que (Lula) concorreu
para os crimes de forma consciente e livre.
Com dois votos a zero contra Lula, o suspense ficou por
conta do voto do terceiro desembargador, Victor Laus. O magistrado, contudo,
começou sua explanação com um elogio à atuação de Moro no processo:
– Corajoso e brilhante, tem diante de si uma complexa
análise de casos – e completou: — Após ouvir o relator e o revisor, anulei
qualquer dúvida.
A partir daí, Laus teceu um voto didático. Disse que a
acusação tinha provas documentais e testemunhais, reafirmou os privilégios
concedidos a Lula na aquisição do triplex e aderiu à posição dos colegas de
Turma. Era o voto derradeiro: três a zero.
— Temos de formar convicção com provas verossímeis. Ao longo
do processo, elas resistiram à defesa. Ficou demonstrada a acusação que vem a
juízo.
Ao cabo do julgamento, o tribunal manteve o restante da
sentença de primeira instância, condenando os executivos da OAS Agenor Franklin
Magalhães Medeiros e Leo Pinheiro e absolvendo os demais quatro réus, entre
eles o ex-presidente do Instituto Lula Paulo Okamotto.
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