Fonte: Diário do Nordeste
"Apenas
um rapaz latino-americano", a biografia de Antonio Carlos Belchior,
escrita pelo jornalista Jotabê Medeiros, prova de que uma biografia não é
interessante apenas para o público, mas também para o artista (e, no caso de
Belchior, para sua memória). Lançado pela editora Todavia, o livro permite
ordenar uma história que ameaçava se converter em lenda.
Encantamento
O
livro de Jotabê Medeiros é breve. São 250 páginas - as 200 primeiras com a
história, complementada por caderno de imagens, índice onomástico (aquele que
lista os nomes de pessoas, instituições, obras lugares e eventos citados na obra),
bibliografia e discografia. Não
se deve esperar a narrativa exaustiva, acadêmica e carregada de citações, como
nos grossos tomos dedicados a figuras históricas. Jotabê Medeiros outro
caminho. "Apenas um rapaz latino-americano" é um livro-reportagem, no
qual é possível entrever os deslocamentos do autor em busca dos rastros de seu
personagem. O texto é marcado por encontros, com gente que conviveu com
Belchior - a figura complexa que inclui o homem, o artista e a lenda.
Honesto,
Jotabê deixa claro, no prefácio, o retrato de Belchior que irá pintar, quais
cores irá utilizar e que estilo seguirá. "Subvertendo a suposta
objetividade de repórter, me vi recuperando todo dia o despertar de meu
encantamento pelas palavras, ainda na adolescência", entrega o biógrafo no
texto de apresentação.
A
intimidade não é forçada. Jotabê confessa que Belchior é uma preferência
musical antiga. "Sempre fui muito fã. Quando tinha 16 anos, eu morava em
Curitiba. Tinha saído da casa dos meus pais, para viver às próprias custas S/A.
Meu único bem era um toca fita de carros, adaptado, e três fitas: 'Desire', do
Bob Dylan; 'A peleja do Diabo com o dono do céu', do Zé Ramalho; e
'Alucinação', do Belchior. Essa foi minha educação sentimental e tem um disco
do Belchior na base dela", relembra.
Contextos
Jotabê
Medeiros começa sua história por Guaramiranga, onde um jovem Antonio Carlos
Belchior passou três anos no mosteiro. É uma escolha significativa (afinal,
rompe um pouco com a cronologia tradicional, que recomenda que se parta da infância).
O autor viu neste período pouco conhecido da trajetória de Belchior uma
anunciação de muitas coisas pelas quais ele ficou conhecido. Entra a inclinação
à contemplação e reflexão; e a reclusão, claro.
O
fim da obra aborda outro período pouco conhecido, ainda que muito falado e
fantasiado: a década de perambulação de Belchior e sua companheira, Edna
Prometeu, longe de jornalistas, amigos, família e curiosos. A inspiração para
esta parte da obra, entrega Jotabê Medeiros, é um clássico do jornalismo narrativo,
o livro "À sangue frio", de Truman Capote. Ali, o autor
norte-americano "biografa um assassinato". O mistério de Belchior não
é sangrento, mas é radicalmente humano.
Do
início ao fim, "Apenas um rapaz latino-americano" é uma obra que traz
a marca do biografado sobre a escrita do biógrafo. Não é o caso do fã que
presta um tributo exagerado, mas de alguém que assume uma forma de olhar
semelhante à do ídolo. Ao falar de si, Belchior falava de si e do mundo. Jotabê
faz algo parecido. Ele fala de um homem, para falar de muitas coisas: música,
poesia, sucesso - e outros mistérios da vida.
Livro:
Apenas um rapaz latino-americano
Jotabê
Medeiros: Todavia 2017, 240 páginas R$ 49,90/ R$ 34,90 (e-book)
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